A ESTRATÉGIA DO GOLEIRO-LINHA
Wilton Carlos de Santana
Mestre em Pedagogia do Movimento pela UNICAMP (SP)
Doutorando em Educação Física na UNICAMP (SP)
Sabe-se que as regras condicionam em larga medida o comportamento dos jogadores. No caso do futsal, as alterações ocorridas na década de 1990 muito modificaram a maneira de atuar do goleiro.
Primeiro, a área penal, que além de aumentada de quatro para seis metros, foi liberada para anotação de gols; depois foi impedido que o goleiro recebesse com as mãos bolas recuadas por seus companheiros, lhe obrigando a usar o pé; permitiu-se, igualmente, que, da sua área, chutasse contra a meta adversária; em seguida, uma mudança ainda mais sensível: a regra permitiu que ele atuasse fora da área penal com os pés. A decorrência desta última modificação é que, além das habilidades peculiares, os goleiros tiveram de desenvolver as ofensivas com os pés, como o domínio/controle da bola, o passe, o chute (e até mesmo a condução e o drible!). Em geral, se aceita, hoje, que goleiro bom é o que reúne tamanha versatilidade.
Sem dúvida que um goleiro com virtudes ofensivas com os pés gerará mais conforto para a equipe quando do ataque. Porém, ainda me agrada a idéia de que um bom time precisa atacar bem o suficiente de modo que se o seu goleiro não se incorporar ao ataque ele se mantenha insinuante no jogo. Por outro lado, todo goleiro precisa ser um especialista debaixo do gol. Nesse ponto não dá para cair em relativismo − ainda que eu pense que os jogadores de linha têm de ser bons defensivamente o suficiente ao ponto de prescindir de um goleiro impecável. Ora, não se pode esquecer que a defesa do goleiro é decorrência de um sistema defensivo de linha que falhou! Isso não contraria a tradição de que um “grande time começa com um grande goleiro”, mas sustenta o fato de que todos os jogadores, na mesma proporção, são defensores no futsal. Tampouco exclui a evidência de que o goleiro faz parte do sistema defensivo como um todo, executando coberturas, antecipações etc.
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A colocação do goleiro fora da área penal, mesmo com
um bom plano de jogo, expõe a equipe. Por isso,
precisa ser apreciada com diligência pelos treinadores.
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Penso que uma parte dos técnicos tem creditado muita responsabilidade ao goleiro, colocando-o para jogar muito adiantado e por muito tempo. Dia desses assisti a um jogo da Divisão Especial (PR) em que uma das equipes, uma das mais bem classificadas do campeonato, sofreu um gol de contra-ataque de “cabeça”! Isso mesmo. Depois de o goleiro, localizado bem adiante da linha divisória central, chutar sem direção contra a meta adversária, a bola tocou na parede e voltou nas mãos do goleiro adversário (“quadra rápida”), que lançou para o pivô e este fez o gol. Aí está: o goleiro chutou tão próximo do gol do outro que não deu tempo de ele e da cobertura retornarem para defender a meta. Na semifinal da Liga, no segundo jogo entre Cortina x Malwee, aconteceu algo semelhante.
O meu raciocínio não exclui que o goleiro desenvolva o jogo de quadra, tampouco que os desenhos que impõem uma superioridade numérica não sejam eficazes em alguns momentos, isto é, que resultem em posse de bola seletiva e volume de finalizações para a equipe. Acho até mesmo que, além da vantagem numérica, que tende a desgastar menos os jogadores fisicamente e da posicional, pois sempre haverá, teoricamente, uma linha de passe aberta, há uma vantagem psicológica interessante sobre o adversário quando se joga bem nesses desenhos. Mas não é fácil sustentar isso por muito tempo sem errar! Pior ainda: quase sempre o erro ofensivo tende a custar muito caro para a equipe, pois dificulta as coberturas, a temporização e o retorno.
Isso posto, regra geral, afirmaria que, primeiro, o time precisa desenvolver o seu jogo de ataque com eficiência independentemente do goleiro e, segundo, que jogar com o goleiro na linha é recurso e não sistema. Evidentemente que a estratégia do goleiro-linha pode ser usada contra qualquer equipe, não apenas quando o placar é adverso, mas diria que não a maior parte do confronto, como um padrão de jogo da equipe.
Por outro lado, penso que quanto melhor for o goleiro na linha, mais o time o “chamará” para se incorporar ao ataque. Bastará encontrar dificuldade no ataque posicional (4x4) que a bola “andará para trás”, ao encontro do goleiro, para que ele tome a melhor decisão. Logo, haverá uma tendência para se aderir a esse tipo de comportamento tático, independentemente dos planos traçados pelo técnico. O contrário também é verdadeiro: se ele for deficiente no jogo de linha, mais o time se empenhará em atacar em quatro.
Essa lógica é verdadeira também para defesa, embora nenhum jogador confirme isso, ou seja, se o goleiro for impecável, todos serão menos atentos e ativos para marcar; se o goleiro for mediano, todos tendem a se empenhar mais defensivamente − isso independentemente da vontade do técnico!
Não obstante o fato de se poder usar o goleiro na linha (ou um linha-goleiro), penso que as funções originais dessa posição, isto é, as defensivas, garantem o valor desse jogador. Afinal, são aquelas que, quase sempre por último, evitam os gols adversários. A colocação do goleiro fora da área penal, mesmo com um bom plano de jogo, expõe a equipe. Por isso, precisa ser apreciada com diligência pelos treinadores.
FONTE: Pedagogia do Futsal
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