segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

PRESIDENTE DO FUTSAL ESPANHOL CREDITA SUCESSO À FORMAÇÃO DOS ATLETAS

JAVIER LOZANO
 Presidente da Liga Nacional de Futsal da Espanha (LNFS)

EDUARDO LOPES e RODRIGO CAPELO
Da Máquina do Esporte, em 17/12/10 as 14:39

Neste ano, a Topper resolveu lançar uma nova campanha com a seleção brasileira de futsal. Os anúncios exaltavam a longa invencibilidade da equipe, que chegou a ficar 163 jogos sem perder. No entanto, a ideia não durou muito tempo: na final do Grad Prix, o Brasil perdeu o título para um país que tem se acostumado a vencer em diversas modalidades. A Espanha conseguiu brecar o time canarinho.

Por trás dessa ascensão espanhola está Javier Lozano, envolvido com o futsal de seu país desde a sua juventude, primeiramente como jogador, depois como técnico e hoje como presidente da Liga Nacional de Futsal da Espanha. Lozano acompanhou de perto a transformação do esporte.

Campeões do mundo no futebol de campo, campeões no futsal, melhor tenista do mundo, melhor piloto de Fórmula 1 do mundo. São muitas as conquistas do esporte espanhol nas últimas duas décadas, frutos de um trabalho em longo prazo iniciado quando o Comitê Olímpico Internacional (COI) decidiu que Barcelona receberia os Jogos Olímpicos de 1992.

Javier Lozano credita as mudanças sofridas no esporte espanhol ao esforço em melhorar a infraestrutura e em técnicos para auxiliar a formação de novos atletas. Dá como exemplo o modo como o futsal era tratado nas escolas, que colocavam os pais dos alunos como treinadores. “Como ele iria tratar o jogador se não domina comunicação, metodologia, estruturação do conteúdo, psicologia, pedagogia? Como ensinar?”.

Já entre os mais jovens, o esporte na Espanha passou a ser tratado com maior atenção e cuidado, com profissionais e treinadores capacitados. Ainda assim, o futsal permanece aquém do que Lozano gostaria que fosse nas escolas. O esporte, no entanto, ganhou um peso ainda maior após a Copa do Mundo da Fifa, já que jogadores como Iniesta e Xavi, campeões do mundo, têm formação nas quadras espanholas, e não nos gramados.

Outro destaque que o dirigente faz questão de ressaltar está no modo como jogadores lidam com a mídia e com os patrocinadores. Para Lozano, todos precisam passar uma boa imagem, fazendo com o esporte se torne cada vez mais atrativo e consiga sobreviver, inclusive, por um momento atual, de crise financeira, considerada como “uma tremenda oportunidade”.

A Liga Nacional é patrocinada pela Penalty, empresa que recebeu Lozano e onde o dirigente cedeu esta entrevista à Máquina do Esporte. Essa relação com um investidor é mais uma razão para o sucesso que se estende para os clubes. “Nós ajudamos os clubes se um deles tem problemas para convencer patrocinador, para convencer governo. Nós vamos como Liga”, afirmou o dirigente.

Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:

Máquina do Esporte: Nos últimos anos a Espanha teve bastante jogadores brasileiros que foram naturalizados para jogar na seleção. Agora, essa seleção atual, campeã, já não depende desse tipo de suporte, o que exibe um amadurecimento nos últimos anos. Como essa seleção chegou a esse nível de qualidade?
Javier Lozano: Comecei na seleção em 1992 e, a princípio, nós queríamos ser como o Brasil, mas os jogadores espenhois não são como brasileiros. Então tivemos de criar de uma maneira diferente. Apostamos na organizacao da equipe antes do jogo, utilizamos o talento dos brasileiros paraa aprendermos e passamos um projeto de equipe. No fim, a forma de equipe superou o talento individual. Assim, deixamos de ser uma cópia para ser um projeto diferente do Brasil; não iríamos nunca ganhar do Brasil sendo uma cópia.

ME: Houve então um rompimento com atletas brasileiros?
JL: Não. Nós aproveitamos seu talento para incluir no nosso modelo. Aproveitamos o talento individual para colocar a serviço da equipe. O talento do jogador a serviço do jogador. Isso é uma mentalidade mais coletiva, mais solidária. Eu me sacrifico pela seleção, pela equipe, colocando todo meu talento a serviço dessa equipe.
ME: Aqui no Brasil o futsal é muito praticado em escolas. Somos conhecidos como o país do futebol, mas na verdade ele divide espaço com o futsal, praticado pelos mais jovens nas escolas. Como na Espanha o futsal está inserido na cultura do esporte?
JL: Nós não temos tanto isso, mas estamos encantados tanto que copiamos o sistema das escolas, de colocar futsal nos primeiros anos. Agora, pouco a pouco, o futebol está percebendo a importância formativa que tem o futsal. A base da equipe da Espanha, Xavi, Iniesta, Fernando Torres, um monte de jogadores passaram pelo futsal. A realidade é que nós nos dedicamos muito aos garotos. Ainda nos falta um tanto, porque não jogamos tanto quanto aqui no brasil. Nos falta um pouco de impulso político.

ME: Qual seria esse impulso político?
JL: Aqui no Brasil, a confederação é independente. Tem acordo com futebol, mas a confederação de futsal não tem nada a ver. Na Espanha, a confederação é uma confederação de futebol. Nós queremos independência. Toda a estrutura de futsal depende da parte de futebol. O impulso político seria um governo com mais iniciativa, ajudando mais o futebol, mais o futsal.

ME: Existe a possibilidade de desvincular o futsal do futebol e fazê-lo ter mais autonomia?
JL: Esse é um tema mais político, mais profundo. Não está mal, mas precisa ser mais independente, ter mais impulso. É um tema mais político, um tema que não dá pra detalhar agora mesmo.

ME: Hoje, a Espanha é o país do esporte. Os avanços que vocês tiveram desde os Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, são absurdos, com títulos em diversas modalidades. Como o futsal se insere nesse cenário? Ele faz parte das mudanças que a Espanha sofreu no esporte?
JL: Na Espanha a história virou em 92. Os Jogos Olímpicos mudou o esporte porque todo um país, todo um governo, preparou este ano para promover atletas, criando muitas infraestruturas, centros de treinamento, apostou na formação. Com treinos técnicos, criaram-se jogadores. A Espanha tinha um problema histórico que era não formar técnicos. Os bons técnicos criam jogadores, bons jogadores criam boas equipes, e aí cresce autoestima. Esse sistema teve muita ajuda pública para a formação de garotos. Criamos um mecanismo, uma politica esportiva para futsal, basquete, vôlei... Afinal o garoto cresce dentro dessa máquina.

ME: No Brasil se discute se se deve investir em ídolos, jogadores de ponta, em infraestrutura ou na formação. O que é mais importante como primeiro passo?
JL: Infraestrutura e formação, porque são os que vão trazer ídolos, e usar ídolos pra trazer mais exemplos. É um ciclo virtuoso. Os ídolos se vendem para os meninos. Nosso problema é que treinadores eram os pais, e os garotos não gostavam muito. Como ele iria tratar o jogador se não domina comunicação, metodologia, estruturação do conteúdo, psicologia, pedagogia? Como ensinar? Estavam fazendo um dano ao jovem, gritando. Temos que tratar o esporte como ferramenta de educação, para modelar comportamento, caráter. Eu não gostaria que meu filho fosse ao colégio e o professor fosse um pai, alguém não qualificado, e o esporte é um trabalho educativo. Não se ensina matemática, mas se ensina disciplina, a superar a si mesmo, que não se pode quebrar as normas. Estamos moldando o caráter, para que quando ele trabalhe, seja pontual, respeite o companheiro, colabore com ele, que para se superar signifique trabalhar por algo; o esporte é uma escola de vida. É isso que temos que ensinar aos políticos. A formação e a infraestrutura. O resto vem depois.

ME: Hoje, o momento financeiro que a Europa vive não é dos mais favoráveis. Como isso afeta a captação de recursos da Liga?
JL: O esporte é uma escola de vida que te ensina que, se o ataque tentar passar pelo centro e não conseguir, tem que ir pelos lados. Ensina a resolver problemas. Uma crise também é uma tremenda oportunidade. A crise nos faz pensar sobre onde estamos e onde queremos chegar, como queremos chegar. Nos faz acabar com um monte de gastos que não eram produtivos, sustentacao, viagens, comida, coisas que não produzem, e deixar uma estrutura mais flexível, ágil, produtiva. Todo mundo produz. Nós ganhamos muito em marca e imagem. Antes não se produzia nada, então cortamos gastos de todos os tipos na crise e triplicamos o posicionamento de marca e imagem. O que ocorre é que o pouco dinheiro que vem está num lugar que tem valor, que tem uma marca que transmite valores, que irá se posicionar em um círculo virtuoso. Quando entra dinheiro, geram-se projetos, que geram mais responsabilidade corporativa. Passamos a pensar em projetos multimídia, projetos sociais, criar um produto televisivo diferente. Câmeras de cima, no vestuário, mais gráfico. Um produto que se fala, “oh, que bonito é isso”. Até porque, onde está o dinheiro? Não está na Europa. Está no mundo. Então vamos transmitir em vários países e estamos negociando com muitos outros. Cento e quatorze países já têm partidas transmitidas. A crise nos faz crescer. Quando as coisas vêm fáceis, não há a preocupação em buscar soluções, então a criatividade some. A crise está despertando a criatividade novamente.

ME: Se o dinheiro está no mundo, isso justifica sua presença no Brasil?
JL: No Brasil, há vários assuntos. Há um componente político porque Brasil e Espanha são as duas maiores ligas e temos de ajudar o mundo, temos que fazer uma aliança para ajudar muitas ligas. Hoje, 80 países têm futsal, mas é muito desigual. Nós temos que ajudar, porque de nada vale ser o melhor de um campeonato que não vale nada. Prefiro ser quinto de um grande campeonato. Então temos que ajudar o mundo com intercâmbios, desafios, torneios continentais. Temos um projeto de negócios conjunto, política, futuros projetos muito interessantes para o Mundial.

ME: Especificamente, quais são esses negócios?
JL: Intercâmbio, utilização da metodologia para negócios, estratégias políticas, criar desafios, espetáculos, promoção de jogos, intercâmbio de know-how, podemos ajudar em muitas coisas. Temos que ajudar os outros, senão cada um fica na sua casa, cada um vive localmente pelo mundo, senão todos ficam passivos. Nós temos a responsabilidade de criar um impulso, iniciativas para melhorar as seleções e, a partir daí, teremos ídolos, exemplos para muitas coisas mais.

ME: Quais são os planos e as metas futuras para o futsal tanto da seleção quanto da estrutura para o futsal?
JL: Na seleção espanhola, temos um objetivo: aproveitar melhor sua imagem. A seleção espanhola tem que aparecer mais na televisão. Hoje, não se trabalha marketing. Hoje, na Espanha, o futebol tem muito mais espaço que o futsal. Nós não vemos as partidas na televisão, então esse é nosso objetivo. Estamos negociando com outros esportes para ajudarem a liga. Creio que seria muito importante criar um campeonato internacional de clubes. As seleções já estão mundiais, com a Uefa, Copa América, mas faltam os clubes. Necessitamos de um mundial para sub-20, para alimentar essas competições.

ME: Os clubes na Espanha recebem algum auxílio da Liga? Como ela fortalece os próprios clubes?
JL: Os clubes alimentam a Liga. A Liga são os clubes. Os clubes a financiam. A Liga cria valor para todos os clubes, cria acordos com televisões para que os clubes e os patrocinadores apareçam. Nós ligamos todos os gerentes de marketing. Nós nos preocupamos em dar valor aos clubes e criamos benefícios aos clubes.

ME: Os patrocínios dos clubes são negociados coletivamente, pela Liga, ou individualmente, clube a clube?
JL: Cada clube negocia seu patrocínio, mas a Liga tem todos os direitos coletivos dos clubes. Por exemplo, a Penalty é patrocinadora da Liga. Em partidas na televisão, não pode ter marca de concorrentes. Temos que fazer isso senão se canibaliza. Esse valor é repartido entre todos os clubes. Quando são televisados os jogos, usamos uma imagem corporativa. Nós ajudamos os clubes se um deles tem problemas para convencer patrocinador, para convencer governo, nós vamos como Liga. Nós somos como pai dos clubes. Uma confederação que protege seus associados e está preocupada em gerar valor para eles. Temos a obrigação de criar valores para os clubes.
ME: Hoje se admite ter marca em camisas?
JL: Na liga, sim, nos clubes, sim. Há diferentes maneiras de criar valor. A televisão dá notoriedade, mas valor é mais adiante. Na televisão não se tem que ver só o patrocinador, mas um produto, para que o espectador diga que futsal é bonito , que é algo sério. Não é só gerar valor, mas publicidade ordenada, organizada, permitir que câmeras venham ao vestiário para fazer um produto atrativo e também criar valores e obrigar os clubes a ajudar desfavorecidos, obrigar a criar projetos para conseguir comida para quem não tem, obrigar a se comportar bem na frente da imprensa, ajudar a transmitir melhor a própria imagem para melhorar o futsal. Criar valor.

ME: Hoje mesmo com o momento financeiro na Europa quantos clubes sobrevivem bem? Quantos entram no campeonato com chance de título?
JL: Nós não temos esse problema. Como somos elite, não nos faltam equipes. Nós queremos sempre os melhores. Não quero ter clubes que dão má imagem ao coletivo, que não se uniformizam, que chegam tarde, que dão entrevista de boné. Para que quero um clube assim? Quando se veste bem, se passa uma imagem ao esporte. Se não é assim, o patrocinador olha e diz: futsal é uma merda. Não pode ser assim. Se o jogador brasileiro vier para cá, tem que ser assim, ser um exemplo. Nós ajudamos os jogadores assim, com cursos de formação para profissionais, para ajudar-lhes, dar uma vida profissional, ajudar-lhes a se desenvolver porque um jogador não é só dentro da quadra, mas na frente da imprensa. Ele tem que saber que é público. Eu jogava futsal e tinha jogadores brasileiros que eram pessoas boas, mas eram um desastre. Gastavam dinheiro, saíam à noite, um desastre. Essa é uma das melhores coisas que temos na seleção espanhola. Criamos desde 1992 uma cultura corporativa, então não se tratava de jogar bem, mas de um modelo de comportamento. Ser comedido, educado na frente da imprensa, porque é um jeito de vender a seleção. Você necessita de gente comprometida. Jogar na seleção espanhola implica não somente jogar, mas ser uma pessoa boa. Essa filosofia é inegociável. Se não encaixar nesse comportamento, é impossível que o modelo esportivo funcione.
ME: A vitória sobre o Brasil ajuda a vender a cultura? De que forma?
JL: Prestígio. É um êxito pontual, mas que traz um prestígio que tem muito mais peso. O título ajuda a refrestar o prestígio, que é uma linha de como se comporta, como trata rivais. Nós ajudamos todo mundo com livros, conhecimento, porque não temos problema em repassar conhecimento. Isso nos traz prestígio. Mas os êxitos são necessários para de vez em quando, vencer o Brasil e alimentar isso

FONTE: MAQUINA DO ESPORTE.COM.BR

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